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Opinião
Resiliência nos Profissionais da Linha de Frente da Saúde:
um panorama dos desafios e das políticas de desenvolvimento
indivíduos e organizações frente a situações de crise e mudança, que permitam, não
Gabriela Lotta apenas retornar às condições originais, mas também criar novas formas de organização
e desenvolver oportunidades. A resiliência é um fator diretamente associado ao sucesso
Professora da FGV SAÚDE
das organizações e dos serviços e foi um dos fatores centrais para explicar a diversidade
nas respostas dos países à crise da Covid-19. A resiliência pode se apresentar tanto
gabriela.lotta@fgv.br
no nível dos sistemas (como saúde, por exemplo), como nas organizações (hospitais
e clínicas, por exemplo) e nos indivíduos (os profissionais da saúde). Neste texto
abordaremos apenas esse último aspecto, embora considerando que a resiliência
Apresentação individual é uma condição importante para gerar resiliência organizacional. E, ao
O objetivo deste artigo é apresentar um panorama sobre os impactos na saúde e mesmo tempo, a resiliência individual depende de decisões e políticas organizacionais.
bem-estar dos profissionais da linha de frente da saúde e as estratégias de resiliência Tendo como base a resiliência no nível dos indivíduos, os estudos mostram que ela
para enfrentamento dessas questões. é evidenciada pela capacidade destes de se adaptarem às novas situações em contextos
de crise e imprevisibilidade. A resiliência demanda capacidade adaptativa que, por
A Linha de Frente da Saúde sua vez, está relacionada a habilidades cognitivas, emocionais, comportamentais e
O trabalho dos profissionais da linha de frente da saúde é marcado por diversas relacionais. Neste sentido, a geração de resiliência depende de elementos de ordem
dificuldades e desafios muitas vezes invisíveis. A linha de frente é altamente psicológica, cognitiva comportamental e social.
imprevisível e potencialmente estressante, em geral caracterizada por uma falta de Assim, embora a resiliência analisada aqui esteja nos indivíduos, seu
recursos, um excesso de pressão e necessidade de decisões rápidas e em constantes desenvolvimento é de responsabilidade organizacional e demanda de políticas de
mudanças. A linha de frente é o “lugar do encontro”, onde os profissionais gestão de recursos humanos.
encontram usuários dos serviços (clientes) e devem transformar suas demandas
em ações e decisões. Essa natureza interativa do encontro gera muitas incertezas, Políticas Estratégicas para Aumentar Resiliência
imprevisibilidades e necessidade de adaptação, afinal, o profissional nunca sabe como A literatura mostra que o aumento da resiliência dos profissionais da linha de frente
o cliente se comportará, como reagirá às suas decisões e deverá tomar decisões de pode ser feito por diversas ações que focam tanto no nível dos indivíduos, dos pares,
maneira reativa sob pressão do tempo – que, no caso da saúde, pode muitas vezes das equipes até da própria organização. Estas ações, tenham o foco que tiverem, devem
impactar na vida ou morte dos usuários. ser pensadas numa lógica de política de recursos humanos que combine diferentes
O trabalho da linha de frente é marcado ainda por vários paradoxos. Por um lado, medidas. Além disso, estas medidas devem ser pensadas de forma preventiva e
é um trabalho essencial para que o serviço exista. Por outro lado, em geral, é pouco não apenas reativa, ou seja, elas devem compor uma estratégia cotidiana e de
valorizado, os funcionários são mal remunerados, possuem baixa formação. Além disso, longo prazo para gerar resiliência necessária para enfrentar tanto a rotina como
há uma dupla pressão que opera em sentidos opostos. Por um lado, profissionais da linha os momentos de crise. A seguir apresentamos algumas medidas centrais numa lógica
de frente são pressionados pelas organizações para cumprirem metas de produtividade, de política de recursos humanos que podem desenvolver resiliência nos indivíduos:
tempo, eficiência e responsividade. Por outro lado, os clientes esperam destes mesmos • aumentar a segurança psicológica dos profissionais;
profissionais mais atenção, personalização, humanização e mais tempo. • criar estratégias de engajamento e senso de pertencimento;
Embora os profissionais desenvolvam estratégias de enfrentamento à pressão, • investir em programas de articulação e integração entre equipes;
diversos estudos vão mostrar que o trabalho da linha de frente gera diversas • criar procedimentos flexíveis e adaptáveis, que estimulem criatividade;
consequências aos profissionais que executam os serviços, mesmo em situações de • profissionalizar e capacitar profissionais da linha de frente;
normalidade (sem crises), como burnout, estresse, pressão emocional e problemas de • disponibilizar recursos necessários para melhor tomada de decisão;
saúde mental. Também há maior absenteísmo e rotatividade entre eles. Além disso, • desenvolver e disseminar estratégias e planos claros que direcionem a tomada de
estes profissionais podem acabar se afastando dos clientes e perdendo sua capacidade decisão dos profissionais;
de gerar serviços personalizados e humanizados, especialmente na medida em que • criar clima organizacional de colaboração e participação;
essas condições diminuem motivação e engajamento dos profissionais. • investir em processos decisórios e cultura organizacional que valorizem os
Todas essas questões geram profundas consequências para os serviços (como profissionais da linha de frente.
diminuição de produtividade, eficiência e efetividade) e para os usuários (como a falta de Como mencionado, estas várias ações demandam uma política de gestão de
empatia e de acesso). E elas ficaram ainda mais visíveis durante a pandemia de Covid-19. pessoas comprometida com a valorização da linha de frente e com desenvolvimento
As características da linha de frente da saúde – mesmo em tempos de normalidade de resiliência nestes profissionais. Dessa forma, as ações devem ser pensadas de forma
– são bastante desafiadoras e têm diversas implicações possíveis na saúde e bem- integrada e devem ser adaptadas às características organizacionais.
estar dos profissionais. Mas as pesquisas também mostram que o enfrentamento a De qualquer forma, como também apontado, os estudos vão mostrar que, em
esses vários desafios está diretamente relacionado à capacidade de desenvolvimento momentos em que a resiliência é mais demandada (como durante a pandemia de
de resiliência nos profissionais da linha de frente da saúde. Covid-19), organizações que mais se prepararam preventivamente gerando políticas
de desenvolvimento de resiliência foram as que mais conseguiram se adaptar ao
Resiliência na linha de frente contexto e não sobrecarregar os profissionais, resguardando sua saúde física e mental.
A resiliência é definida como a capacidade de recuperação e adaptação dos É neste sentido que as medidas aqui apontadas foram pensadas.
Equipe do Hetrin participa de capacitação
internacional para atendimento
de emergências cardiovasculares
O Hospital Estadual de Trindade – Walda Ferreira dos Santos (Hetrin), unidade
do Governo de Goiás com gestão do IMED (Instituto de Medicina, Estudos e
Desenvolvimento), realizou na última semana o primeiro curso de Advanced
Cardiovascular Life Support (ACLS), capacitação da American Heart Association
(AHA) que aborda medidas de suporte básico de vida (SBV) até o suporte
avançado (SAVC). No total, nove profissionais - entre médicos, enfermeiros e
fisioterapeuta - participaram da ação.
O ACLS aborda as principais atualizações de diretrizes com instrutores
experientes e infraestrutura com tecnologia avançada. A capacitação faz parte do
Programa de Educação Continuada do Imed e é destinada a profissionais de saúde
que participam do tratamento de pacientes vítimas de parada cardiorrespiratória
(PCR) ou que apresentam emergências cardiovasculares, como arritmias, infarto
agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral.
De acordo com o Dr. Fabricio Leão, diretor técnico do Hetrin, o treinamento
é baseado na simulação de situações reais em estações práticas. “Desta forma os
profissionais podem aprofundar suas competências tanto como líder, quanto como
membro de uma equipe de atendimento de emergência de alto desempenho”,
explica ele.
O objetivo é que os profissionais, com base nas últimas diretrizes da AHA,
identifiquem e revertam, quando possível, situações com risco de vida imediata,
principalmente relacionada a problemas ventilatórios e circulatórios.
E-mail: isabela.maione@ecco.inf.br
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